Quem me conhece sabe que eu não sou muito de poemas. Assim, escrever é muito fácil, vem esse negócio de rima, essa coisa de métrica. Essa subserviência às palavras.
Pra mim, escreve quem consegue transformar um turbilhão de imagens e sentimentos em alguma coisa. Seja rima, seja música, seja texto.
Mas escrever uns poeminhas é a primeira coisa que a gente aprende. Se desconectar disso é muito mais difícil. Usar a poesia para quebrar o poema. Usar a métrica pra se vencer.
Não que eu faça isso, eu só tava explanando sobre bons poetas.
Essa enrolação toda é porque eu escrevi algo. Algo que eu gosto de chamar de poema. Quando eu faço isso, eu dou o melhor de mim - e geralmente sai uma bosta. Por isso são poucas as poesias que eu publico.
Essa é especial pra mim. Primeiro, porque não era pra ser nada. Eu estava cansada e enjoada e dentro de um ônibus sujo e feio sem ar condicionado e, pollyanamente, decidi tentar melhorar o meu dia. Então comecei a brincar com a sonoridade das palavras e depois com imagens e depois com meus sentimentos e confusões e aí eu pari esse ovo.
Segundo, e é por isso que eu estou me explicando tanto, é que ela eu escrevi quando a tia Sílvia morreu - e alguns dias depois a Bianca. A primeira, mãe de uma amiga muito querida, pessoa muito querida, me deixou triste. A segunda, uma menina de 8 anos que eu carreguei no colo, brinquei e rodei no ar, me deixou apreensiva. Eu não vou explanar muito mais aqui.
Mas eu demorei pra postar isso por vários motivos. O Primeiro é que o silêncio sempre foi o meu luto. Que eu queria dar um tempo pra respeitar a dor alheia, que eu precisava ajeitar a minha vida antes de qualquer outra coisa, que eu tinha que parar e pensar. Que eu não tenho certeza de se postar isso vai ser bom ou não.
Depois que a minha vida é um caos, nunca dá tempo de fazer tudo o que eu quero fazer, mesmo porque eu não me esforço muito pra completar a minha "to do list.". Fora que eu arranjei um emprego, passei quase um mês em São Paulo sem computador (e sem sentir muita falta de internet, pra dizer a verdade) e aí que eu não ia conseguir postar mesmo.
Mas agora eu cheguei. Eu quero meu blog, meu cheiro, minhas coisas. Eu tenho esse texto. Espero que gostem.
A morte saúda
Secretamente, com barris de vinho.
Cerejeiras desabrocham
Silenciosas
Um botão – o pasto está em flor, como pode?
Como pode o pasto florir?
Como pôde?
Se um dia eu descobrir
Se um dia eu não a-cor-dar
Se um dia eu desabrochar
E sair voando
der-repente
num rompante
Imprevisivelmente
Como podemos voar?
Cerejeiras são cálidas como a morte, lenta e trôpega.
Jabuticabas maduras - com vespas dentro.
Como é possível?
Como é possível para os pássaros?
Piões girando em roda
Hora para um lado, hora para o outro.
O pasto está em flor – como pode?
Ouço as passadas soturnas
(do guardados de faróis)
E entendo que não posso.
Por hora, isso me basta.
Mas amanhã
Amanhã, quando murcharem as vacas
E quando o boi se transformar num bife
Amanhã tentarei outra vez.
Com que cara?
-Com uma cara nova.
6 comentários:
Pow, você é boa nisso também, sabia? Mas confesso, não é muito "sua cara" mesmo... Te imagino sempre escrevendo contos de fantasia, acredita? Hahaha... Beijoca, baby.
Eu não. Eu vejo a Ray escrevendo sobre sonho e pesadelo e vida fria e dura pedaço de ferro compacto.
Amei o poema. E volte a postar com certa freqüência.
O poema é bom. Mas a parte da vaca murchar e do boi virar bife rompe a corrente lírica. Ainda achei o texto em prosa introduzindo o poema melhor e mais poético.
Mas o objetivo é romper a cadência e o bucolismo, Bâmo.
rayssa!
sera que vai ser sempre assim, a gente se desencontrando nesse mundo virtual? acho que é porque migramos demais, né, você muda um pouco todo dia, eu desapareço e reapareço com endereço novo meses depois...
um dia a gente acerta e se encontra! :)
beijocas
Há exatos três meses Sílvia não acordou, lembrar-me da alegria dela provoca dor centrada e surda.
Manoel Carlos
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