sábado, 22 de dezembro de 2007

Tenho que me concentrar em alguma coisa, disse eu. a voz incerta, meio tonta, o quarto, uma bagunça só. Isto aqui, e então eu peguei a primeira coisa que vi que não parecia prestes a derrubar outras 15 na minha cabeça se tirada do lugar, isto aqui é uma lata de biscoitos.
E era mesmo. Uma lata de biscoitos amanteigados com uma menininha abraçando um gato e um cachorro gravados na tampa. Um objeto, uma coisa palpável. Algo a que me agarrar.
O quarto girou e eu girei junto, ambos estranhando aquela sensação nova que era sentir a rotação da terra aos nossos pés. Como é que eu consigo não cair?, eu perguntei, em voz alta. Nem o quarto e nem a lata de biscoitos ousaram responder.
Ontem eu derrubei uma garrafa sem querer, cheia de água. molhou tudo e, agora, eu pisava no molhado. Rodar não era uma coisa que fazia assim, tanto sentido. então eu acho que preferi sentar, ou talvez eu tenha caído mesmo. não importa. O importante é que eu molhei aminha bunda inteira naquela merda daquela água que eu tinha ficado com preguiça de secar e que já tinha molhado todos os meus documentos espalhados pelo chão.
Aí eu pensei, mas poxa, eu não tava segurando na lata? cair assim e ela cair comigo. e se eu estiver segurando numa estaca enfiada no chão e cair assim e ela cair comigo? Então eu percebi que aquilo não estava fazendo sentido e que eu devia estar trêbada e que a lata não ia me responder, por mais que eu quizesse, mesmo que ficasse me olhando curiosamente.
Mas aí foi que aconteceu uma coisa engraçada, alguma coisa se mexeu. Eu não vi, não sei o que foi que se mexeu, mas ficou aquela sensação de coisa se mexendo e eu até me perguntei se era eu mesma que tinha sei lá, tido um movimento involuntário, ou se a coisa toda era muito pior e tinha algo tipo um monstro rastejando pelas paredes.
Aí aconteceu uma coisa mais estranha ainda porque a parede abriu e de lá de dentro saltaram gnominhos verdes com capuzes azuis que tinham A CARA do pássaro do poema do Castro Alves, aquele que se chama Fábula - O Pássaro e a Flor.
Talvez eles parassem pra dançar pra mim, caso eu pedisse, mas acho que se assustariam primeiro, já que pensavam que eu não estava ali pra vê-los ou pra falar com eles.E seria muito estranho uma coisa que, tipo assim, não está ali do seu lado, parar você pra pedir uma dança.
Eles eram do tamanho do meu dedo, e começaram a recolher a água com seus gorrinhos minúsculos e levar pra dentro das paredes e eu não pude parar de pensar que eram aqueles putos que ‘tavam causando aquela merda daquela infiltração gigante na parede atrás do meu armário, deixando tudo meio mofado.
Então acho que eles meio que espremeram os meus documentos pra arranjar água. afinal se as pessoas precisam beber os gnomos também devem precisar.
E talvez eu tenha grunhido um pouco quando a minha identidade ficou toda, toda amassada e eu pensei que agora ninguém mais ia saber quem eu era, só eu, e ia ser difícil provar pras outras pessoas que eu era eu.
E no fim das contas eu até fiquei feliz, já que o meu CPF é um cartão tipo o do banco e eu ainda vou poder comprar uma geladeira, caso precise muito (ou caso não precise e só queira entrar dentro de um congelador e brincar de neve).
E agora eu acho que tenho uma compulsão por começar parágrafos minúsculos e absolutamente desnecessários, todos com a letra. E.

Não sei.

Mas sim, onde eu estava? Eu estava naquela infiltração. Eles levaram a água toda lá pra dentro e eu pensei que eles deviam ser muitos, pra precisar de um reservatório tão grande que conseguia manchar meia parede, mas continuei quietinha, pra ver o que eles iam fazer.
E não é que aqueles gnominhos encantados de merda roubaram minhas jujubas? Eu costumo guardar umas jujubas por precaução, vai que eu tenho um desejo incontrolável algum dia, e preciso delas? Bem, elas estão guardadas há dois anos, junto com uma miniatura do Kinder Ovo genérico, mas nunca se sabe. E eles pegaram aminha jujuba e entraram pela parede e foram embora e fecharam a parede, e eu fiquei um tempo meio estarrecida, firmemente agarrada à minha caixa de biscoitos, pensando em como tudo aquilo parecia não fazer sentido nenhum e, ao mesmo tempo, fazia todo o sentido do mundo.

Ok, talvez eu goste muito de chocolate, mesmo. Mas esse não era o tópico. Então, deixa eu continuar dizendo, eu voltei pra minha cama. Não voltei, porque não tinha estado lá assim tão recentemente, mas eu me levantei e deitei e meus travesseiros tinham sumido, então eu me abracei com a caixa de biscoitos em posição fetal e acho que só queria dormir um pouco.
É, de repente eu estava com muito sono.

Mas aí eu me revoltei, porque aqueles diabinhos de gorros estavam roubando as minhas jujubas e, quem sabe?, planejando um atentado contra a minha pessoa. Não tenho dúvidas que “convivência pacífica” não está na lista de qualidades daquela raça de ladrõezinhos imundos.
Então eu acho que gritei algo como “vão embora, seus putos” mas talvez tenha sido um “não desistirei do meu quarto!”, embora eu saiba que já perdi há muito tenpo. Tem mofo no meu armário e bactérias estranhas se proliferam livremente e cada dia eu bagunço mais e fico com mais e mais preguiça de arrumar. É mesmo uma batalha perdida, mas eu ainda tenho o meu orgulho.

Dormi um pouco, acho, e acordei algumas horas depois com a lata de biscoitos jogada do outro lado do quarto. Ainda tinha resquícios de água no chão mas as minhas jujubas não estavam mais ali.

e até agora eu não sei se foi um sonho mesmo.

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E sim, talvez eu tenha escritoum pouco como o Saramago, mas é só porque eu estou malignamente influenciada por ele enquanto leio "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", que é muito bom, por sinal.

2 comentários:

Juh disse...

Eram os gnomos do Papai Noel, Rayssa. Com essa crise de matéria-prima, eles têm de se virar pra fazer brinquedos à base de água...
E jujubas pra se alimentarem durante a viagem são uma boa escolha.
E TODO MUNDO sabe que é nas paredes das casas das pessoas mais imprevistas que se encontram os portais para a dimensão do Pólo-Norte. Assim que os gnomos do Papai Noel observam se as crianças e os doentes mentais (zoa xD) são boazinhas ao longo do ano...

Ok, eu paro *influenciada pelo espírito de Natal*

E você sempre escreveu assim, as laranjas azuis são um bom exemplo.

Anônimo disse...

Uhu. Completamente aleatório, mas eu adoro esses espamos randômicos do mundo, uma simples contração a priori insignificante.
Bom, mas não custa perguntar quanto você bebeu/fumou para escrever isso. E eu não achei que pareça Saramago.